A falácia da TV Traço

Publicado originalmente no Facebook em 14.06.2016.

Há alguns dias escrevi sobre o déficit da EBC que vem sendo divulgado na mídia comercial. E afirmei que é leviana a divulgação do déficit de 90 milhões. O valor é menor que o divulgado e possível de ser ajustado. O número, portanto, só serviu como artilharia para desqualificar a imagem da empresa.
(https://notasprismaticas.wordpress.com/2016/07/01/diversidade-e-deficit/)

Mas há outra falácia que circula na imprensa, não de hoje: a de que TV Brasil é a TV Traço. O relatório de administração da EBC (1) aponta que “as pesquisas de audiência realizadas em seis das principais capitais brasileiras [São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Salvador e Recife] em 2014 indicaram que 32 milhões de pessoas nessas localidades tiveram acesso à programação da TV Brasil”. Vale observar que o dado se circunscreve às seis cidades analisadas pelo Ibope. Não inclui a audiência de outros 5.564 municípios do território nacional. Não inclui também os dados sobre telespectadores da TV por assinatura, da antena parabólica ou de mídias móveis. E as informações são de 2014.

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Mesmo supondo que “só” essas 32 milhões de pessoas dessas seis cidades mensuradas pelo Ibope veem a TV Brasil no sinal aberto, é possível dizer que um número três vezes maior que a população de Portugal corresponde a um traço? Esse dado, com todas as limitações que ele apresenta, é seis vezes maior que o número de leitores de Veja (2), quase 15 vezes maior que o número de assinantes do Netflix (3) e mais de 30 vezes o número de leitores do jornal O Globo (4).

Na TV por assinatura é difícil ter acesso aos dados. Mas uma reportagem reveladora deste ano fala que no mês do impeachment a Globonews ultrapassou a TV Brasil na TV Paga. Segundo a matéria, assinada por Ricardo Feltrin, em 14 de abril deste ano (5), os números “apontam que o canal jornalístico da Globo disparou da 25ª posição em fevereiro para a 8ª posição em março (…). Entre outros, o canal informativo ficou à frente da TV Cultura e da TV Brasil, que, neste ranking e nessa faixa, despencou do 13º para o 17º lugar”.

Você, que está lendo esse artigo, conhece a Globonews? Se sim, podia imaginar que mais gente assiste a TV Brasil do que a Globonews na TV por assinatura? Já passou pela cabeça de alguém chamar a Globonews de “TV atrás da TV traço”? A oportunidade de subir no ranking sendo um instrumento do golpe é legítima. Mas, como deixa bem claro a matéria, a Globonews estava, até então, 12 posições atrás da TV que o grupo que ela pertence chama de “traço”.

Os dados sobre audiência na parabólica são ainda mais raros. Porém, uma matéria da TV Brasil de 2009 (6) dá a dimensão da sua força. De acordo com pesquisa feita à época, a maior audiência da TV Brasil vinha justamente dos telespectadores que assistem via antena parabólica, a chamada banda C. Sete anos depois uma nova pesquisa seria bem-vinda para dimensionar o real alcance da audiência por meio dessa frequência.

Já a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, encomendada pela Secretaria de Comunicação Social do Governo (7), aponta que a “TV Brasil (…) é conhecida por 31% dos brasileiros, sendo que o maior nível de conhecimento é registrado no Pará (46%) e o menor, em Sergipe (12%)”. São 60 milhões de pessoas, mais que a população da Itália.

A baixa audiência da TV Brasil, se comparada às audiências de outras emissoras da TV Aberta, tem uma série de motivos que vão desde a estrutura e a hegemonia da radiodifusão privada no Brasil, passando por problemas técnicos no sinal que chega na casa das pessoas, até uma pouco eficaz política de marketing da empresa. Somam-se aos desafios da gestão, uma rápida mudança nos hábitos de assistir TV e a forte concorrência de novos players. Não só para a TV Brasil, mas para as TVs do mundo inteiro, em especial as públicas.

Mas na atual guerra narrativa em que vivemos é importante demonstrar a diferença entre o nulo abstrato e o significativo absoluto, que mora entre a audiência inexistente que é propagada pela grande mídia e os reais telespectadores da TV Brasil. Essas dezenas de milhões de pessoas “traço”.

Fontes:
(1) Relatório de administração da EBC publicado no DOU: http://goo.gl/0arQ6r
(2) Dados sobre leitores de Veja: http://goo.gl/i7z7ku
(3) Dados sobre assinantes da NETFLIX: http://goo.gl/uDuAQl
(4) Dados sobre leitores do jornal O Globo: https://goo.gl/tTg8hl
(5) Matéria sobre audiência Globonews: http://goo.gl/bHwoIf
(6) Matéria sobre pesquisa EBC: http://goo.gl/Z6lKlG
(7) Pesquisa Secom: http://goo.gl/pLUh4I

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