O drama de um setor econômico que agoniza bem antes da pandemia

O momento é extremamente preocupante no mundo todo. Milhões de vidas estão em risco, a economia vai sofrer uma retração inimaginável e sabemos que os mais impactados do ponto de vista da saúde física, mental e financeira são os mais pobres. Em países com alto índice de desigualdade social como o Brasil a crise se torna um pesadelo, já que o atual piloto do avião se mostra não só incompetente, mas absolutamente irresponsável e com posições que podem ampliar o número de óbitos no país.

Em meio a tantas questões, surge também a reflexão sobre um setor que já está na UTI há alguns anos: o audiovisual. Em especial, a produção independente. Há estudos importantes que falam sobre empregos e impostos que filmes e séries geraram nos últimos anos. Posso falar de um projeto que conheço de perto. Com 2,1 milhões investidos, neste projeto foram contratadas mais de 350 empresas e pessoas físicas, na forma de prestação de serviços, compra ou locação de equipamentos ou espaços físicos num período de 7 meses.

Considerando uma média de 10% em impostos em todos os âmbitos (em especial no federal) foram gerados cerca de R$ 210 mil em recursos que saíram de uma conta específica do setor e foram para o cofre geral do Estado brasileiro para financiar saúde, educação, ciência & tecnologia, saneamento básico, entre outros.

Aqui vale a explicar que, neste projeto que utilizo como exemplo, a totalidade dos recursos utilizados vieram do Fundo Setorial do Audiovisual, cuja fonte primária é uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), apelidada de Condecine, que se alimenta majoritariamente de uma taxa que as operadoras de telefonia pagam por celular ativo no Brasil. Se essa taxa não fosse cobrada, contabilizaria mais lucros para as bilionárias Teles. Com a cobrança, converte-se em arte, entretenimento, informação, cultura, empregos e recursos para setores essenciais da vida dos brasileiros.

Os projetos variam muito entre si, mas enxergando esses dados como médias ou projeções, o audiovisual pode ter gerado, só no ano de 2018, R$ 123 milhões[1] em impostos e 875 mil contratações[2]. Considerando que a máscara N 95 custa 12 reais poderíamos comprar mais de 10 milhões de máscaras. Mesmo considerando a inflação que ocorreu com os respiradores em função da demanda, daria para suprir uma cidade média brasileira com a compra de mais de 500 respiradores (antes da alta poderiam ser 1.500).

Pois bem, em 2019, todas essas projeções caíram vertiginosamente. Do potencial de geração de impostos de R$ 123 milhões passamos a uma projeção dez vezes menor e com tendência à zero em 2020. E a causa do início dessa morte lenta do setor passa muito longe de um vírus que abala o mundo. Começava há quase dois anos, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) questionou as prestações de contas da Agência Nacional do Cinema (Ancine). A partir daí, em maio de 2018 foi iniciada uma das piores gestões políticas de crise do audiovisual brasileiro, que passou pela paralisia quase completa da Agência em maio de 2019[3] até o afastamento do presidente, Christian de Castro, pelo Ministério Público Federal, em novembro do mesmo ano, acusado de falsidade ideológica e estelionato, entre outros. Considerando os dados de 2018, estima-se que há mais de R$ 800 milhões em projetos parados na Agência.

Após a eleição de Bolsonaro, o setor enfrentou novas crises. Primeiro, a extinção do Ministério da Cultura. Depois, sob a gestão de Osmar Terra, o setor experimentou a nomeação do Goebbels brasileiro, Roberto Alvim, caído por forças superiores ao discurso fascista que forjou. Em seu lugar, Regina Duarte, que, até hoje, não nomeou um subsecretário do audiovisual e sinaliza que pode extinguir a pasta.

Ainda neste período intenso entre o primeiro dia de mandato do Bolsonaro e o dia 20 de janeiro de 2020, a Ancine permanecia com apenas um diretor e as atividades praticamente paralisadas. Não contente, Bolsonaro vetou dois importantes mecanismos de incentivo muito utilizados pelo setor[4] e encaminhou ao Congresso o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) de extinção dos Fundos Públicos[5], inclusive o Fundo Setorial do Audiovisual. Estes últimos seguem em batalha inaudita no Congresso Nacional, deixados em segundo plano em função da pandemia. Por fim, o tiro de misericórdia, a decisão da desembargadora Ângela Catão de garantir às operadoras de telefonia a suspensão do pagamento da Condecine[6].

O resultado parcial (porque só considera os recursos do FSA) é o gráfico abaixo, com projeção de chegarmos em 2020 à triste e conhecida linha reta dos monitores de sinais vitais, com sirene constante, e desligamento dos aparelhos.

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Tabela 1 – Investimento do Fundo Setorial do Audiovisual entre 2009 e 2019[7]

 

 

As perguntas que fazemos são: o que faz mais sentido neste momento em que todos buscamos soluções para apoiar trabalhadores e trabalhadoras, microempresas, comércio e a economia como um todo, além da óbvia prioridade das medidas de isolamento e investimento no Sistema Único de Saúde? É possível, neste momento, investir os mais de 1 bilhão de reais em caixa, para pelo menos fomentar as atividades que não requerem presença física, considerando os mais de 400 projetos parados na Agência Nacional do Cinema e a possibilidade de lançamento de novos editais; ou é melhor deixar morrer um setor da arte que, citando Nietzsche, “existe para que a realidade não nos destrua”?

 

Carol Ribeiro é jornalista e produtora audiovisual.

[1] Estimativa feita com base no relatório Valores totais de Investimento FSA, Recursos Incentivados, Editais, Programas e Prêmios – Em Reais (R$) – 2003 a 2018, da Agência Nacional do Cinema, disponível em: https://oca.ancine.gov.br/

[2] Tomamos por base o número de 350 empresas contratadas e projetamos as vagas em cima do total investido no ano de 2018, considerando os mesmos dados da tabela anterior.

[3] Matéria sobre o início da agonia disponível em: https://telaviva.com.br/29/03/2019/decisao-do-tcu-para-o-fundo-setorial-do-audiovisual/

[4] Para entender melhor o que ficou suspenso, vale a leitura: https://telaviva.com.br/17/03/2020/cancelada-sessao-do-congresso-que-analisaria-veto-presidencial-do-recine/

[5] Para entender melhor, vale a leitura: https://teletime.com.br/04/03/2020/pec-que-extingue-fundos-e-aprovada-na-ccj-e-segue-para-plenario-do-senado/

[6] Mais sobre o tema: https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2020/04/08/teles-conseguem-suspensao-de-pagamento-da-condecine.html

[7] Estimativa feita com base no relatório Valores totais de Investimento FSA, Recursos Incentivados, Editais, Programas e Prêmios – Em Reais (R$) – 2003 a 2018 e Listagem de Projetos Contratados FSA – 2008 a 1ª Semestre de 2019, da Agência Nacional do Cinema, disponível em: https://oca.ancine.gov.br/. Importante mencionar que os dados de 2019 só representam o 1º semestre. Foi enviado um email à Ancine em 08/04/2020 solicitando os dados consolidados de 2019 e a resposta obtida foi a seguinte: “A atualização do arquivo com todos os dados de 2019 ainda não está pronta para publicação”. Pode haver um aumento, mas não há como negar uma tendência de queda vertiginosa, em especial dos recursos do FSA, mas também dos recursos incentivados a partir da crise econômica e extinção dos mecanismos previsto na Lei do Audiovisual.

Já raiou a diversidade

Uma colônia portuguesa no Marrocos transplantada para o Brasil no século XVIII. Essa é a história de Mazagão Velho, situada no sul do Amapá, estado mais setentrional do país. Seu povoado, fundado há quase 240 anos, tem como tradição a festa de São Tiago, uma representação da luta de cristãos e mouros que levaram os portugueses a sair da África e refundar a colônia no norte brasileiro. No meio da Amazônia. (1)

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Essa história extraordinária é a base do documentário “Mazagão, mito, memória e migração”, da produtora rondoniana Espaço Vídeo (2). Junto com 102 obras audiovisuais não menos fantásticas, a proposta foi selecionada para o PRODAV TVs Públicas, linha do Fundo Setorial do Audiovisual que vai disponibilizar para TVs comunitárias, universitárias, educativas e públicas mais de 260 horas de conteúdo de todas as regiões do Brasil. Foram 60 milhões de reais contratados em 2015 e há outros 60 milhões para um novo processo de seleção em curso.

Dados da Ancine mostram que em agosto de 2014 passava de 7 mil o número de agentes econômicos ligados à produção audiovisual independente. Quase 60% deles paulistas e cariocas. Só entre 2012 e 2014, 82,6% dos projetos aprovados via lei de renúncia fiscal ficaram circunscritos à ponte aérea. Dos 513 projetos inscritos no Fundo Setorial do Audiovisual no mesmo período, quase 80% também se concentram aí. E os dois estados juntos representam cerca de 30% da população brasileira.

O debate sobre a regionalização da programação na TV aberta tem mais de 30 anos. O modelo de redes verticalizadas e nacionais de televisão, com produção altamente concentrada internamente e compra de enlatados internacionais, não só confinou a produção independente brasileira a filmes autorais para salas de cinema, mas principalmente concentrou mercado, profissionais, conhecimento e recursos no eixo Rio-São Paulo.

Essa invisibilidade da história, dos sotaques, das tradições, das festas populares, da música, da culinária, da cultura, das infâncias, das fragrâncias, dos movimentos e das cores do Brasil tem muitas consequências, que vão do preconceito, passando pela ignorância até uma nociva pasteurização da diversidade.

Também por isso constam como princípios e objetivos da Lei 11.652/2008, que criou a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o estímulo à produção regional e à produção independente. Com cotas para cada uma delas. Cotas confusas e baixas, mas ainda assim obrigatórias.

Em meio aos ataques sofridos pela TV Brasil permeados por uma disputa política em que todos perdem, há que se recuperar o debate sobre o desequilíbrio cultural regional que a comunicação pública deve remediar. Sem mencionar as demandas de representação da diversidade religiosa, de gênero, raça e etnia, além de informações que reflitam à pluralidade de opiniões e visões da sociedade. Tudo igualmente invisibilizado ao longo dos 70 anos de existência da televisão no Brasil.

Mas qual o papel da EBC no fomento à Rede Nacional de Comunicação Pública, que conta hoje com quase 200 emissoras associadas e parceiras (incluídas universitárias e comunitárias) em todo Brasil? E mesmo na articulação das redes públicas internacionais da região? De que forma isso é priorizado, fortalecido, realizado?

Num mesmo aspecto, como ampliar a integração das políticas de fomento e de difusão do audiovisual numa perspectiva bem mais distributiva? Como articular o papel da produção independente e da comunicação pública no caminho de ter informação, entretenimento e inspiração  – pautados pela diversidade cultural e pluralidade de visões – acessível a toda população brasileira? Há políticas embrionárias nesse sentido, mas o déficit de visibilidade de nós mesmos, da nossa história e da nossa cultura ainda é abismal.

(1) Mais informações sobre a história de Mazagão Velho: http://www.setemalas.com.br/mazagao-velho-onde-o-marrocos-encontrou-a-floresta-amazonica/
(2) Fonte: http://www.brde.com.br/wp-content/uploads/2016/02/TVs-PUBLICAS_resultado-final_PRODAV-082014.pdf

Das benesses que a mentira traz

Publicado originalmente no Facebook em 30.06.2016.

Hoje (30/06/16) o jornalista Nelson Hoineff mais uma vez gastou 3.240 caracteres sem espaços para criticar a EBC em sua coluna no jornal O Globo. Há um dado falso que precisa ser desmentido. O jornalista cita a matéria do Globo de 27/06/16, que afirma que a “EBC viu seu número de funcionários saltar de 913, em 2010, para 2.564, em 2014, um incremento de 180% em quatro anos”.

A soma da força de trabalho da Acerp (TVE, Ràdios MEC e Nacional do RIo) e Radiobrás (NBR, Agência Nacional e outras rádios), fundidas na EBC em 2008, dá 2.585 (1). O número de funcionários contabilizados em 31 de maio de 2016 pela EBC era de 2.552 pessoas. São 33 funcionários a menos do que em 2008. Um pouco diferente dos 180% “a mais” divulgado pelo jornal O Globo.

Pode-se achar muito ou pode-se achar pouco. Pode-se levantar dados sobre a audiência e o número de funcionários das redes públicas e privadas mundiais. Pode-se discutir se é mais interessante ter um modelo com mais produção externa ou uma produção mais barata e verticalizada, concentrada nos trabalhadores. Ou um equilíbrio desses modelos.

Mas o que está em jogo não é o debate sobre o melhor projeto para a EBC. É uma disputa política. Não é ingênua a sequência de artigos nos jornais de maior circulação nacional desqualificando o projeto da EBC – a primeira iniciativa nacional a tirar do papel um preceito constitucional (2).

Chama ainda mais atenção a exaltação da TV Cultura na maioria dos textos de opinião que defendem o fim da TV Brasil. A qualidade de conteúdo que marca a programação da emissora paulista desde o final da década de 60, quando foi refundada pela Fundação Padre Anchieta, é inquestionável. E ninguém quer acabar com a TV Cultura porque ela dá menos de 2 pontos de audiência em média. Seus quase 50 anos de história mostram a importância da comunicação pública para os cidadãos de São Paulo.

Pelo contrário, o que se questiona é o desmonte pelo que passa a emissora desde 2010, com a demissão de mais de mil funcionários e redução de seu orçamento. É coincidência que os pontos mais criticados sejam o custo e o número de funcionários da EBC e que se exalte tanto a TV Cultura, que passou por um processo de enxugamento nos últimos anos? É coincidência que se use os dados de audiência da TV Cultura em São Paulo para dizer que é melhor que a TV Brasil, sem mencionar que ela é 5º lugar no estado?

É coincidência que se pregue o fim da TV Brasil, com funcionários antigos da Radiobrás assumindo diretorias na EBC? E se isso acontecer, para onde iriam os 80% de conteúdos não jornalísticos da TV Brasil? Como faria a Rede Nacional de Comunicação Pública, com 48 emissoras associadas à EBC em todo país, que retransmitem a quase totalidade destes 80% de conteúdos? Hmmmm, de repente a TV Cultura assume tudo isso. Aí resolve.

(1) Fonte: Dados apurados com a gestão da EBC revelam que no ano de fundação da empresa, 2008, havia 1110 funcionários da Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto (Acerp). Eles eram responsáveis pela operação da TVE do Rio de Janeiro, rádios Nacional AM, e MEC AM e FM. Já Radiobrás, gestora da NBR, Agência Nacional, Radioagência e de outras cinco rádios, contava com 970 empregados de carreira, 307 empregados de livre provimento e 198 empregados com contrato temporário. Ou seja, 1.475 empregados.

(2) Constituição Federal, Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

Tá muito caro? Adicione perspectiva.

Publicado originalmente no Facebook em 18.06.2016.

Entre os 10 países que possuem as maiores economias do mundo (1), somente a China não tem TVs e rádios públicas (debate aberto sobre o caráter público da CCTV). Seja sob a perspectiva da diversidade cultural, ou para garantir pluralidade de visões, qualquer democracia avançada investe em meios de comunicação que não sejam guiados nem pela lógica comercial, nem pelo viés governamental.

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A partir de dados de 2006, divulgados em uma pesquisa de 2009 (2), é possível dar a dimensão comparada dos custos de manutenção da comunicação pública nas democracias capitalistas consideradas mais ricas do mundo. Há 10 anos atrás. Sem juros e sem correção monetária. (3)

A Alemanha possui dois conglomerados de comunicação pública: ARD e ZDF. Fundadas nas décadas de 50 e 60 respectivamente, juntas, elas disputam a liderança pela audiência da população alemã. Uma taxa paga pelos cidadãos provê mais de 80% dos custos para a manutenção do sistema. O valor correspondia, em 2006, a mais de 7,5 bilhões de euros anuais, aproximadamente 0,30% do PIB do país à época. Em moeda brasileira, cerca de 29 bilhões de reais (4), o equivalente aproximado a R$ 350 por pessoa, por ano. O braço internacional mais conhecido da ARD, a Deutsche Welle, é 100% financiada pelo governo alemão.

Japão, NHK. Ano de nascimento: 1953. Recursos provindos de impostos em 2006: 5,3 bilhões de dólares, 0,12% do PIB do mesmo ano. Traduzidos para reais (5): R$ 18,43 bilhões. Aproximadamente R$ 145 reais por japonês, por ano. E 96% do sistema sobrevive deste recurso.

França. France Televisións e Radio France começam a ser implementadas na década de 40 e se consolidam como holdings no final da década de 90. As receitas misturam uma taxa por domicílio: 120 euros anuais (64%), publicidade e negócios (36%). Custo total do sistema em 2006: 2,85 bilhões de euros (0,12% do PIB), quase 11 bilhões de reais. Custo por francês, aproximadamente 98 reais anuais.

Em 2008, ano de fundação da EBC, o Brasil era a 8ª economia do mundo. Menos de 8 anos depois, o orçamento da empresa de comunicação pública nacional bate os 500 milhões em 2015, 0.02% do PIB. Cerca de R$ 2,50 por ano para cada cidadão brasileiro.
Em contrapartida, de 2008 até 2015, foram gastos 9 bilhões em publicidade governamental somente nas 5 maiores emissoras da TV aberta comercial, mais especificamente: Globo, SBT, Record, Band e Rede TV. Quase 5 vezes mais do que o investido na EBC inteira no mesmo período. (6) (7)

Logo, o Estado Brasileiro, listado entre os 10 países com as maiores economias do mundo, não só aporta 20 vezes menos recursos na sua comunicação pública se comparado a outras democracias capitalistas, como prefere gastar cinco vezes mais com o financiamento, via publicidade, de um oligopólio privado. Mais dinheiro em pensamento único e cultura enlatada e menos com a diversidade brasileira e com a saudável convivência do embate ideias. E como se isso não fosse absurdo suficiente, o governo provisório quer fechar a TV Brasil.

(1) Fonte: Banco Mundial – http://data.worldbank.org/. Observação: o ranking e os dados relativo ao PIB e à população dos países foi retirado dessa mesma fonte.
(2) Fonte: Livro Sistemas públicos de comunicação no mundo, disponível em http://goo.gl/VJf66n
(3) Seria ótimo pesquisar dados atualizados, mas como as notícias dão conta que a TV Brasil pode acabar em poucos dias, para a análise comparada que busca este artigo, os números antigos são ainda mais reveladores do abismo em que estamos. Os dados sobre população, PIB e custos das TVs internacionais são sempre do ano pesquisado. Já a conversão de euros e dólares foi feita a partir da cotação de 18 de junho de 2016. Os dados do Brasil são atuais.
(4) Cotação: 1 euro = 3,858 reais
(5) Cotação: 1 dólar = 3,42 reais
(6) Matéria sobre investimento publicitário do Governo Federal: http://goo.gl/G1rKAE
(7) Matéria sobre os custos da EBC: http://goo.gl/3b9PKw

A falácia da TV Traço

Publicado originalmente no Facebook em 14.06.2016.

Há alguns dias escrevi sobre o déficit da EBC que vem sendo divulgado na mídia comercial. E afirmei que é leviana a divulgação do déficit de 90 milhões. O valor é menor que o divulgado e possível de ser ajustado. O número, portanto, só serviu como artilharia para desqualificar a imagem da empresa.
(https://notasprismaticas.wordpress.com/2016/07/01/diversidade-e-deficit/)

Mas há outra falácia que circula na imprensa, não de hoje: a de que TV Brasil é a TV Traço. O relatório de administração da EBC (1) aponta que “as pesquisas de audiência realizadas em seis das principais capitais brasileiras [São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Salvador e Recife] em 2014 indicaram que 32 milhões de pessoas nessas localidades tiveram acesso à programação da TV Brasil”. Vale observar que o dado se circunscreve às seis cidades analisadas pelo Ibope. Não inclui a audiência de outros 5.564 municípios do território nacional. Não inclui também os dados sobre telespectadores da TV por assinatura, da antena parabólica ou de mídias móveis. E as informações são de 2014.

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Mesmo supondo que “só” essas 32 milhões de pessoas dessas seis cidades mensuradas pelo Ibope veem a TV Brasil no sinal aberto, é possível dizer que um número três vezes maior que a população de Portugal corresponde a um traço? Esse dado, com todas as limitações que ele apresenta, é seis vezes maior que o número de leitores de Veja (2), quase 15 vezes maior que o número de assinantes do Netflix (3) e mais de 30 vezes o número de leitores do jornal O Globo (4).

Na TV por assinatura é difícil ter acesso aos dados. Mas uma reportagem reveladora deste ano fala que no mês do impeachment a Globonews ultrapassou a TV Brasil na TV Paga. Segundo a matéria, assinada por Ricardo Feltrin, em 14 de abril deste ano (5), os números “apontam que o canal jornalístico da Globo disparou da 25ª posição em fevereiro para a 8ª posição em março (…). Entre outros, o canal informativo ficou à frente da TV Cultura e da TV Brasil, que, neste ranking e nessa faixa, despencou do 13º para o 17º lugar”.

Você, que está lendo esse artigo, conhece a Globonews? Se sim, podia imaginar que mais gente assiste a TV Brasil do que a Globonews na TV por assinatura? Já passou pela cabeça de alguém chamar a Globonews de “TV atrás da TV traço”? A oportunidade de subir no ranking sendo um instrumento do golpe é legítima. Mas, como deixa bem claro a matéria, a Globonews estava, até então, 12 posições atrás da TV que o grupo que ela pertence chama de “traço”.

Os dados sobre audiência na parabólica são ainda mais raros. Porém, uma matéria da TV Brasil de 2009 (6) dá a dimensão da sua força. De acordo com pesquisa feita à época, a maior audiência da TV Brasil vinha justamente dos telespectadores que assistem via antena parabólica, a chamada banda C. Sete anos depois uma nova pesquisa seria bem-vinda para dimensionar o real alcance da audiência por meio dessa frequência.

Já a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, encomendada pela Secretaria de Comunicação Social do Governo (7), aponta que a “TV Brasil (…) é conhecida por 31% dos brasileiros, sendo que o maior nível de conhecimento é registrado no Pará (46%) e o menor, em Sergipe (12%)”. São 60 milhões de pessoas, mais que a população da Itália.

A baixa audiência da TV Brasil, se comparada às audiências de outras emissoras da TV Aberta, tem uma série de motivos que vão desde a estrutura e a hegemonia da radiodifusão privada no Brasil, passando por problemas técnicos no sinal que chega na casa das pessoas, até uma pouco eficaz política de marketing da empresa. Somam-se aos desafios da gestão, uma rápida mudança nos hábitos de assistir TV e a forte concorrência de novos players. Não só para a TV Brasil, mas para as TVs do mundo inteiro, em especial as públicas.

Mas na atual guerra narrativa em que vivemos é importante demonstrar a diferença entre o nulo abstrato e o significativo absoluto, que mora entre a audiência inexistente que é propagada pela grande mídia e os reais telespectadores da TV Brasil. Essas dezenas de milhões de pessoas “traço”.

Fontes:
(1) Relatório de administração da EBC publicado no DOU: http://goo.gl/0arQ6r
(2) Dados sobre leitores de Veja: http://goo.gl/i7z7ku
(3) Dados sobre assinantes da NETFLIX: http://goo.gl/uDuAQl
(4) Dados sobre leitores do jornal O Globo: https://goo.gl/tTg8hl
(5) Matéria sobre audiência Globonews: http://goo.gl/bHwoIf
(6) Matéria sobre pesquisa EBC: http://goo.gl/Z6lKlG
(7) Pesquisa Secom: http://goo.gl/pLUh4I

Diversidade é déficit?

Publicado originalmente no Facebook em 12.06.2016.

É o quarto dia consecutivo que a grande mídia ataca a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) de forma mais incisiva, dessa vez deixando claro que o governo provisório de Temer pretende acabar com a empresa.

Apontam toda ordem de problemas para justificar o fim da comunicação pública. Déficit de milhões, excesso de funcionários, cabide de empregos, traço na audiência. Mas que não haja dúvida: o que realmente se quer com o fim da empresa é extinguir a difusão da pouca pluralidade de opiniões e diversidade cultural que é a missão central da EBC. Como em qualquer governo retrógrado e autoritário, a diferença incomoda e deve ser aniquilada.

Há problemas. Mas também há contexto para os problemas. O déficit, por exemplo. A Diretoria de Produção, responsável pelos conteúdos não jornalísticos produzidos internamente ou coproduzidos com o mercado independente, teve um orçamento de cerca de 30 milhões em 2012, caindo gradativamente para 20 milhões em 2015 e vertiginosamente para 10 milhões em 2016.

A manutenção de programas como Samba na Gamboa, Revista do Cinema Brasileiro, Sem Censura, entre outros que constroem a grade da TV, ficou inviável. E mesmo assim, com um déficit inicial de 3 milhões, a partir de medidas drásticas de gestão, a Diretoria de Produção foi capaz de gerar um pequeno superávit este ano. O mesmo estava sendo realizado por outros setores da empresa quando Laerte Rimoli assumiu e anulou todo esforço já realizado para minimizar ou eliminar o déficit. Cancelou o trabalho das equipes com o único propósito de utilizar o déficit como munição para a grande mídia atacar a EBC.

Há iniciativas extremamente importantes em curso na empresa, por fora de alguns caminhos que apontaram sua potência, como foi a cobertura do desfile das campeãs do Carnaval deste ano que gerou 14 pontos no share do Ibope, deixando a TV Brasil em 2º lugar na TV aberta no Rio de Janeiro. A preocupação com o desfile, com a tradição, com a história e as curiosidades do Carnaval, levou a TV a ganhar dois prêmios, oferecidos pela própria comunidade do samba. Fazendo o oposto da Globo. Mais conteúdo e diversidade, menos culto às celebridades.

Outros programas cumprem um papel fundamental para a sociedade, como é o caso do Programa Especial, apresentado por Fernanda Honorato, a primeira repórter com síndrome de Down do mundo, e outros dois cadeirantes, Juliana Oliveira, apresentadora e José Luiz Pacheco, repórter. Além da questão da inclusão das pessoas com deficiência, a diversidade religiosa foi encarada com coragem pela emissora. Dois programas que tratam do tema, Entre o Céu e a Terra e Retratos de Fé, frutos de uma seleção pública ocorrida em 2013, com altíssimo nível de qualidade estética, debatem a importância de conhecer as religiões para respeitá-las. Ou o Estação Plural que trouxe pela primeira vez na TV aberta uma lésbica, um gay e uma trans para assumidamente ancorarem um programa sobre comportamento.

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A TV Brasil também é a maior exibidora de cinema nacional da TV aberta, uma das grandes parceiras da produção independente e desde o ano passado faz a gestão, junto a outros parceiros, do PRODAV TVs Públicas, que destina 60 milhões para a produção independente de todo o Brasil. É o Norte, o Nordeste, o Centro-Oeste levando para a tela animações, ficções e documentários produzidos por eles mesmos, com seu protagonismo, sotaque, cultura e tradição. Em parceria com a Ancine, as emissoras educativas, universitárias e comunitárias estaduais, esse é o maior programa de incentivo à diversidade regional brasileira no audiovisual. Porque o Brasil, sabemos, pode mostrar e aprender muito mais sobre si mesmo atravessando a fronteira do Leblon.

Logo, apontar problemas na gestão é fundamental e necessário. Discussões nesse sentido já existem internamente, desde a perspectiva de baratear o custo dos programas internos até chamar a sociedade participar, a partir de mais parcerias com universidades, com grupos de arte e cultura, fomentando as trocas e o conteúdo colaborativo. São muitos caminhos possíveis para enfrentar a crise com criatividade.

Mas matar a EBC é enterrar uma das poucas iniciativas nacionais que buscam incluir a diversidade de olhares no dia a dia dos brasileiros. É silenciar quem busca dar voz a quem não tem, revelar as cores e os sons de um Brasil e mundo ocultados a partir de uma estética estreita e autoritária. É dar mais um passo para acabar com direitos conquistados e asfixiar a jovem democracia brasileira. O que, infelizmente, este governo provisório tem feito com maestria numa velocidade impressionante.

PS. As rádios EBC tem uma importância histórica e estratégica também gigante. Mas estou aguardando colegas com mais propriedade que eu para partilhar essa perspectiva.